terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Colesterol: o que o médico não diz


Novas pesquisas sugerem que as pílulas mais receitadas

Cristiane Segatto. Colaborou Laila Abou Mahmoud

professor Wanderley Marques Bernardo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é um sujeito persistente. Não sossega enquanto não prova por A mais B que as vantagens apregoadas pelo fabricante de determinado remédio são excelente peça de marketing baseada em ciência discutível. Nos últimos seis anos, Bernardo se dedica a avaliar o custo–benefício de tratamentos. Cirurgião torácico, trocou o bisturi pelo laptop. Cruza inúmeros dados para responder às secretarias de Saúde se vale a pena comprar as novidades oferecidas pela indústria. Um de seus alvos preferidos são os remédios para reduzir o colesterol. Ele não está sozinho. As drogas mais usadas para esse fim – chamadas estatinas – têm sido motivo de grandes discussões. Uma das mais importantes aconteceu em abril, durante o congresso do American College of Cardiology, realizado em Chicago, Estados Unidos. Análises feitas por diferentes pesquisadores em todo o mundo sugerem que o benefício dos remédios pode ser bem menor que os consumidores imaginam.

O debate foi iniciado por especialistas da chamada medicina baseada em evidências. A área criada nos anos 80 por David Sackett, da Universidade McMaster, no Canadá, é composta de médicos que tentam avaliar se um tratamento faz diferença a partir da análise fria dos estudos publicados. Não estão preocupados com histórias pessoais de sucesso ou insucesso. A ferramenta deles é a estatística. Bernardo aprendeu o novo ofício na Universidade de Oxford. “É importante que a população seja esclarecida sobre os limites da ciência e dos remédios”, diz. “É uma forma de minimizar o marketing malvado que não educa ninguém.”

As estatinas são a maior história de sucesso da indústria farmacêutica. Nenhuma outra categoria rendeu tanto dinheiro. São consumidas por 25 milhões de pessoas no mundo. No ano passado, produziram um faturamento de US$ 27, 8 bilhões. Metade desse valor foi conquistada pelo Lípitor (atorvastatina), da Pfizer. Em faturamento, ele é o primeiro do ranking da indústria. Os brasileiros compram nas farmácias 1 milhão de caixinhas de estatina a cada mês. O mais consumido é o genérico sinvastatina. O número dois é o Lípitor.A forma agressiva como ele é anunciado ajuda a explicar tamanho sucesso. Nos EUA, a propaganda de remédios vendidos com receita médica pode ser feita diretamente ao consumidor. Isso não ocorre no Brasil, onde as empresas procuram convencer os médicos a receitar seus produtos. Pelas regras americanas, os anúncios de remédio podem aparecer em qualquer parte: TV, revistas, jornais, outdoors. Segundo o anúncio do Lípitor, o remédio reduz em 36% o risco de infarto em pacientes com outros fatores de risco além do colesterol alto (hipertensão, por exemplo). Poucos consumidores prestam atenção ao asterisco e às letras pequenas colocadas no pé da página. Elas informam que, num amplo estudo, 3% dos pacientes que tomaram pílulas sem efeito (placebo) tiveram um infarto. No grupo que tomou Lípitor, o índice foi de cerca de 2%.

O que os números significam? A cada cem pessoas, três no grupo placebo e duas no grupo do remédio tiveram um infarto. O benefício creditado à droga é de um infarto a menos a cada cem pessoas. Ou seja: para evitar um infarto, é preciso que cem pacientes tomem o remédio por mais de três anos. É o que os estatísticos chamam de número necessário para tratar (NNT). Os outros 99 pacientes não tiveram nenhum benefício mensurável.E de onde vieram os 36%? Isso é o que os especialistas chamam de risco relativo, uma artimanha freqüentemente usada pela indústria para tornar mais atraentes os resultados dos estudos. A conta não é mentirosa, mas não expressa com clareza o real benefício dos remédios. O risco de infarto verificado no grupo que tomou Lípitor (1,94%) é dividido pelo risco observado no grupo placebo (3%). O resultado da divisão é 0,64. O passo seguinte é verificar quanto o remédio evitou que os riscos fossem iguais nos dois grupos. Basta subtrair 0,64 de 1. O resultado é 0,36, ou 36%.

Dizer que o remédio reduz o risco em 36% é mais impactante que explicar que apenas um infarto em cem será evitado, certo? “É verdade que a publicidade usa a cifra mais bombástica”, diz Eurico Correia, gerente-médico de grupo de produtos da Pfizer. “Mas a redução de risco de 1% ou 2% no enorme universo de consumidores significa salvar a vida de muita gente.”

Sim, mas, em nome da transparência que os consumidores merecem, eles precisam saber que poucos terão vantagem. “A maioria está tomando um remédio sem ter nenhuma chance de benefício e sofrendo o risco de enfrentar efeitos colaterais”, disse James M. Wright, professor da University of British Columbia, à revista BusinessWeek. Wright concluiu que as estatinas salvam vidas no grupo de pessoas que já tiveram um infarto. Nessa situação, os remédios realmente evitam a ocorrência de novos infartos e reduzem o risco de morte. Para essas pessoas, as estatinas são fundamentais.

O negócio é comer o mais natural possível, commuito poucosal e gorduras, fazer exercício e tentar levar uma vida sem muito estresse.

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